Um Caso Tenebroso - Cap. 19: XIX-OS DEBATES Pág. 203 / 249

- Mas - voltou o acusador público - se o senhor empregou gesso na vedação, serviu-se, sem dúvida, de um cocho e de uma colher. Ora, se foi dizer tão prontamente ao Senhor de Hauteserre que as suas ordens tinham sido executadas, como explica que Gothard lhe trouxesse mais um saco de gesso? O senhor deve ter passado diante da sua casa, onde teria deixado as suas ferramentas e prevenido Gothard.

Estes argumentos fulminantes produziram um silêncio horrível no auditório.

- Vamos, confesse-s-voltou o acusador-, não foi uma estaca que o senhor enterrou...

- Está então convencido de que foi o senador? - tornou-lhe Michu, com um ar profundamente irónico.

O Senhor de Granville pediu formalmente à acusação pública que se explicasse a tal respeito. Michu era acusado de rapto, de sequestro, e não de assassínio. Não havia nada mais grave que semelhante interpelação. O Código de Brumário do ano IV proibia ao acusador, público a introdução de qualquer nova acusação nos debates: sob pena de nulidade, tinha de manter-se dentro dos quesitos da acta acusatória.

O acusador público replicou que Michu, o principal autor do atentado, e o qual, no interesse dos amos, chamara sobre a sua cabeça toda a responsabilidade, podia ter precisado de tapar a entrada do local ainda desconhecido onde o senador estava padecendo.

Assediado, com perguntas, causticado diante de Gothard, posto em contradição consigo próprio, Michu deu um murro em cima do apoio da tribuna dos acusados e disse:

- Não tenho nada que ver com o rapto do senador; estimo que os seus inimigos se tenham limitado a emparedá-lo; mas se ele vier a aparecer, verão que o gesso não meteu para aí nem prego nem estopa.

- Bom! - exclamou o advogado, dirigindo-se ao acusador público -; o senhor acabou por fazer pela defesa do meu cliente muito mais do que tudo que eu poderia dizer.





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