Marta, exausta, trémula, esperava um desfecho qualquer, depois de uma tal caminhada. Para quê? Para uma boa acção ou para um crime? Neste momento, Michu aproximou-se do ouvido da mulher.
- Quero que vás a casa da condessa de Cinq-Cygne; dirás que lhe queres falar; quando ela aparecer, dizes-lhe que precisas de lhe segredar uma palavra. Se ninguém puder ouvir-te, dir-lhe-ás: «Menina: a vida dos seus dois primos está em perigo, e a pessoa que lhe pode explicar como e porquê espera por si.» Se ela tiver medo, se mostrar desconfiança, acrescenta: «Sei que pertencem à conspiração contra o Primeiro Cônsul, e a conspiração está descoberta.» Não digas quem és; eles desconfiam de nós.
Marta Michu soergueu os olhos para o marido e disse-lhe:
- Estás ao serviço deles?
- Sim, e então? - tornou-lhe ele, franzindo as sobrancelhas, como se ouvisse uma censura.
- Tu não me compreendes! -exclamou Marta, pegando na grossa mão de Michu, a cujos pés se deixou cair de joelhos, beijando-a muito e cobrindo-a de lágrimas.
- Corre! Depois choras - disse-lhe ele, apertando-a nos braços com lima força brusca.
Quando deixou de ouvir os passos da mulher, aquele homem de ferro tinha lágrimas nos olhos. Desconfiara de Marta por causa das ideias do pai; escondera-lhe os segredos da sua vida; mas a beleza do carácter simples da mulher revelara-se-lhe repentinamente, tal qual como a grandeza do seu acabava de se revelar a ela. Marta transitava da profunda humilhação causada pela degradação do homem cujo nome usava ao deslumbramento que a glória provoca; e fazia-o sem transição, pois não era caso para desfalecer? Tomada do mais vivo sobressalto, caminhara, como depois havia de dizer-lhe, como se pisasse sangue, desde o pavilhão até Cinq-Cygne, e de r pente sentia-se subir ao céu no meio dos anjos.