Um Caso Tenebroso - Cap. 1: I - OS JUDAS Pág. 9 / 249

Em primeiro lugar, não gastava um real; e depois a fortuna vinha-lhe legitimamente quer da herança do sogro, quer dos seis mil francos anuais que lhe rendia o seu lugar tanto em proventos como em vencimentos. Conquanto fosse administrador havia doze anos, e todos soubessem de onde lhe vinham as suas economias, o certo é que, quando, no princípio do Consulado, comprou uma casa de renda de cinquenta mil francos, não faltaram acusações ao antigo montanhês. A gente de Arcis Julgava-o disposto a reconquistar a consideração perdida, graças a uma grande fortuna. Infelizmente, na altura em que todos começavam a esquecê-lo, um estúpido acontecimento, envenenado pela intriga da aldeia, veio de novo reavivar a crença geral na ferocidade do seu carácter.

Uma tarde, à saída de Troyes, na companhia de uns camponeses, entre os quais se encontrava o rendeiro de Cinq-Cygne, deixou cair um papel na estrada real. Esse rendeiro, que ia na retaguarda, baixou-se e apanhou o papel. Michu volta-se, vê o papel nas mãos do outro, saca da pistola do cinturão, arma-a e ameaça com ela o homem, que sabia ler, declarando-se pronto a estoirar-lhe os miolos caso ele se atreva a abri-lo. O acto de Michu foi tão súbito, tão violento, o metal da sua voz tão de poucos amigos, os seus olhos faiscaram de tal sorte, que toda a gente estremeceu de pânico. O rendeiro de Cinq-Cygne, claro está, era inimigo de Michu.

A Menina de Cinq-Cygne, prima dos Simeuse, só tinha agora uma propriedade, quanto lhe restava dos seus bens, e vivia no castelo de Cinq-Cygne. Não via outra coisa senão os primos, nem para outra coisa vivia senão para esses gémeos, com os quais brincara, criança, em Troyes e Gondreville. O seu único irmão, Jules de Cinq-Cygne, que emigrara antes dos Simeuse, morrera em frente de Mayence; mas, graças a um privilégio, bastante raro, e de que ainda viremos a falar, o nome de Cinq-Cygne não se extinguia à falta de linha varonil.





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