O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 31: CAPÍTULO IV Pág. 180 / 245

Sem saber o que fizesse, pensando todavia que uma ideia qualquer me ocorreria mais tarde como desfecho possível para esta situação tão imprevista, tão extraordinária, guardei a chave. Senti que me era preciso, primeiro que tudo, sair dali, retomar o ar livre, achar-me a sós comigo mesmo, refletir, raciocinar.

- Minha senhora - disse-lhe então - se amanhã, até ao meio dia, eu lhe não tiver reenviado esta chave, será sinal que me prenderam, que está tudo perdido. Se não souber mais de mim, quero dizer, se lhe não for restituída esta chave, fuja, esconda-se, faça como quiser. Interrogada, negue tudo. Eu preferirei mil vezes aceitar a responsabilidade desta morte a imputar-lha, e, por caso algum do mundo, será jamais o seu nome proferido por mim. Daqui até lá, para coordenar as suas ideias, para equilibrar a sua razão, para não enlouquecer, se quer um conselho de fisiologista, violente-se um pouco, abra uma janela, sente-se diante de um caderno de papel e escreva o que se passou. Depois queime o que escrever. O único meio de dominar uma situação como a sua, o único meio de verdadeiramente a compreender, é analisa-la. Houve um filósofo que deixou aos infelizes esta máxima: «Se a tua dor te aflige, faz dela um poema.» Vá escrever. Faça as suas memórias ou faça o seu testamento, mas escreva, e queime depois. Agora, adeus. Adeus até amanhã, ou quando não, adeus para sempre.

Ela conservava sempre a atitude extática em que caíra na cadeira de braços. Tinha a boca entreaberta, o lábio inferior tremia-lhe, com esse tocante gesto infantil que toma a desolação no rosto das mulheres, e grossas silenciosas, corriam-lhe em fio pelas faces e gotejavam lentamente nas rendas do vestido. Fez um movimento para se erguer, procurando articular uma palavra agradecimento.





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