que tudo quanto se aproximava de mim me trazia a punição, o castigo, e que tudo quanto se afastava fugia para longe com o meu último amparo, com o derradeiro socorro que eu ainda poderia ter neste mundo!… Foi neste delírio que lhe pedi a V…, um estranho, um desconhecido, que viesse ver-me… Para quê?.. nem eu sabia para quê… Para contar isto a alguém, para me decidir, para ter uma solução, para apressar um desenlace qualquer, para fugir de mim mesma… Ir à polícia era entregar esse infeliz à mais horrorosa das profanações. Dirigir-me a alguma das senhoras que conheço, ir bater à porta de uma família tranquila, que me receberia na casa de jantar ao levantar da mesa, que me apertaria as mãos, que me traria os seus filhos para eu beijar, e depois dizer-lhes de repente: Eu, que aqui estou, tinha um amante, e matei-o; venho convida-los para esta festa de vergonha e de ignominia!… Não. Era melhor fugir para o desconhecido, entregar-me ao acaso… Em tudo isto pensei confusamente, não sei como, sem continuidade, sem nexo, aos pedaços, depois que o vi, durante esta noite medonha. Não tenho hoje mais lucidez de espirito do que tinha ontem… Não sei o que hei de fazer… Sinto apenas que estou perdida, que é preciso que alguém venha, que é preciso que me levem… O senhor parece-me um homem generoso, leal, compadecido e bom… Sabe já o que me sucedeu, sabe onde ele está. Disse-lhe qual era a casa, disse-lhe o número da porta. Aqui tem a chave.
E tirando do seio uma corrente de ferro, de elos angulosos como de um cilício, que trazia suspensa do pescoço por dentro do roupão, abriu uma argola que lhe servia de remate, soltou uma pequena chave, e entregou-ma.
Deixou-se cair num fauteuil, inclinou a cabeça para traz e ficou prostrada, silenciosa, no abatimento, no abandono, no entorpecimento profundo que de ordinário se sucede às grandes crises nevrálgicas.