O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 45: CAPÍTULO II Pág. 243 / 245

Que queria que eu fizesse, meu querido amigo? Matar-me? Prostituir-me à convivência da sociedade? Não posso. Falta-me o valor para sacrificar ao meu infortúnio a salvação da minha alma, e escuso de dizer-lhe que me falta igualmente a intrepidez precisa para sacrificar ao sossego ordinário da vida o pudor do meu coração. Bem vê pois que aceitei a solução mais suave. Coitado! como lhe doe a tristeza do meu destino! Deixe estar: prometo-lhe morrer breve, se me não suceder aquela desgraça receada por Santa Teresa de Jesus: que o prazer de me sentir morrer me não prolongue mais a vida!

Entregando-lhe em seguida o capuz e o manto de casimira em que fora envolvida:

- Adeus, meu primo, - disse-lhe ela deixando-se beijar na testa, - adeus!

Peça a Deus que me perdoe, e aos vivos que me esqueçam.

Aos primeiros passos que ela deu para lá da porta, esta fechou-se do mesmo modo porque havia sido aberta, sem que ninguém mais fosse visto, tendo mostrado um buraco lobrego, negro e profundo como a goela de um abismo, e a amante de Ritmel entrou no claustro. Os ferrolhos interiores rangeram sucessivamente nos anéis, expedindo uns sons entrecortados, semelhantes a soluços arrancados de uma garganta de ferro.

O mascarado alto passou parte dessa noite na vila, esperando a mala-posta que partia à uma hora. Ao subirmos juntos à carruagem ouvimos uma espécie de rebate em dois sinos de uma igreja. Perguntámos o que era. O deputado da localidade, que nos acompanhava no coupé, respondeu, atirando fora um fosforo com que acendera um charuto:

- São as carmelitas que pedem o socorro da caridade, porque não têm que comer.

O cocheiro fez estalar o açoite, e a berlinda partiu a galope, abafando o vozear entristecido das sinetas com o estrepito que ia fazendo pelas calçadas estreitas e tortuosas da povoação.





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