Vinte Mil Léguas Submarinas - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 33 / 258

Propositadamente ainda deixei de responder, pois de nada serve discutir uma proposição quando a força pode destruir os melhores argumentos que se tem.

- Hesitei muito tempo - continuou o comandante. - Nada me obrigava a lhes dar hospitalidade. Se ia desembaraçar-me de vocês, não tinha qualquer interesse em voltar a vê-los. Era só mandar levá-los para a plataforma do meu barco, mergulhar e esquecer que tinham existido. Não era esse o meu direito?

- Talvez fosse o direito de um selvagem - respondi - mas não o de um homem civilizado.

- Sr. Aronnax - replicou ele com vivacidade. - Não sou aquilo a que chama um homem civilizado! Rompi com toda á sociedade por motivos que só eu posso apreciar. Portanto, não obedeço as suas regras e convido-o a que nunca as evoque em minha presença!

Estas palavras foram ditas pausadamente. Um raio de cólera e de desprezo iluminou os seus olhos e eu adivinhei em sua vida um passado extraordinário. Não só se tinha colocado à margem das leis humanas, como se tornara independente, livre na mais rigorosa aceção da palavra, fora de qualquer ataque. Quem ousaria persegui-lo até o fundo dos mares? Que navio resistiria ao choque de seu barco submarino?

Que casco, por mais espesso que fosse, suportaria os golpes do seu esporão? Nenhum homem lhe podia pedir contas dos seus atos. Deus, se é que acreditava nele e a sua consciência, se a tivesse, eram os únicos juízes de que poderia depender.

Após um longo silêncio, o comandante continuou a falar:

- Portanto, hesitei muito, mas pensei que o meu interesse podia se harmonizar com aquela piedade natural a que todo homem tem direito.





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