CAPÍTULO XIV Imagine, senhor redator, em que lamentável estado de espirito nós ficámos. Lord Grenlei encerrou-se no seu camarote, eu e o capelão ficámos velando junto do cadáver. A tarde descia. Uma nevoa extensa cobria o mar. O rugido do vento era lúgubre. Todos estavam profundamente apiedados. A velhos marinheiros, que tinham naufragado no mar da India e dobrado o Cabo, eu vi saltarem lágrimas…
- Pobre criança! diziam eles.
Para aquelas rudes naturezas simples, essa mulher nova, vestida de branco, palidamente linda, era a miss, a virgem, a criança! Um arranjou-lhe uma coroa de algas secas, e foi piedosamente pôr-lha sobre o peito. Era o ramo de flores do mar.
Eu pensei algum tempo em conduzir o corpo de Carmen até Espanha, mas o piloto observou-me que teríamos ainda 4 ou 5 dias de viagem, e o corpo não podia esperar na sua pureza durante esta longa demora. Por isso resolvemos deita-lo ao mar, quando viesse a noite. Assim, ficámos o capelão e eu, durante a tarde, junto do cadáver, lembrando as suas belezas e as suas desgraças.
A noite caiu; cobriu as águas. O capelão desceu. Fiquei só. Havia sobre o cadáver, pendente de uma corda, uma lâmpada. Descobri-lhe o rosto, afaguei-
lhe os cabelos. A sua beleza tinha-se fixado numa imobilidade angelica, como se a morte lhe tivesse restituído a virgindade. A curva adorável do seu seio aparecia em relevo na bandeira que a cobria: nunca tanta força tinha produzido tanta graça! Olhei-a durante muito tempo, enlevado na sua contemplação. As lágrimas caíam-lhe dos olhos.
- Pobre criatura! dizia eu na solidão dos meus pensamentos, pobre criatura! vais para a mais profunda das covas, para a sepultura errante das águas. Uma febre de amor consumiu-te na vida, uma tempestade eterna te agitará na morte! Condiz o túmulo com a existência! Como o mar tu foste bela, orgulhosa e ruidosa.