Era pobre honrado?
- Era.
- Como se chama?
- Ainda que lhes diga o nome dele, os senhores não conhecem os pobres honrados; conhecem somente os infames ricos.
- Tenha prudência na língua, minha senhora - rebateu Atanásio.
- Desçam as escadas, que quero sair, seus biltres! - exclamou a filha de D. Maria d’Antas. - Se os galegos da casa me obedecessem, haviam de fazê-los saltar pelas janelas; mas a casa já não é minha, e infame eu seja quando pedir um ceitil do que ela encerra. Aqui ficam as jóias de minha mãe, que valem quatro ou cinco contos de réis. O seu amigo Hermenegildo que se pague do que me deu, e, se alguns vinténs sobejarem, que compre uma corda e que se enforque.
- Irra!... que mulher! - dizia Joaquim a Pantaleão, limpando o suor da testa em janeiro.
- Tem diabo no corpo! - regougou o outro.
Voltaram-lhe as costas com arremesso, e saíram vociferando palavras insultantes.
De pós eles saíram Ângela e Vitorina, deixando as portas abertas e a casa entregue aos criados, que choravam em altos clamores.
- Vais tão triste?! - perguntou Ângela à criada.
- E vossa excelência não, minha infeliz menina?
- Não! Pois não vês?! O que eu não deixei naquela casa foi o ouro da consciência...
- Sair sem nada!... Que leva vossa excelência ai nesse dispensável?...
- É o livro dos SONHOS do Francisco - respondeu ela sorrindo. - Não tenho mais nada que me recorde a minha alegre mocidade senão isto e tu! As coisas que mais amo vão comigo.
Vitorina chorou de agradecida, e participou involuntariamente da alegria da senhora.
Entraram na rua do Moinho de Vento e procuraram um número de casa. Subiram, e acharam-se na alegre e asseada saleta de Joana Costa, que se levantou a receber a fidalga com transporte e espanto.
- Venho pedir-lhe um canto da sua casinha! - disse Ângela risonhamente.