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- Pensemos noutra coisa, minha amiga - tornou Ângela com os olhos rasos de gozosas lágrimas. - Temos em que trabalhar?
- Não precisamos; que meu irmão deixou-me metade dos trezentos mil réis que foi ganhar. Apenas gastei duas moedas deste dinheiro. Abra vossa excelência essa gaveta, que lá está o resto.
- Mas é necessário trabalhar, minha irmã. A ociosidade é o tédio, é a doença, é o desespero. Olhe que eu, quando me chamavam a brasileira do meio milhão, em cada dia, costurava cinco horas. E foi bom conservar os costumes adquiridos na pobreza do convento. a pobreza voltou; mas desta vez encontra-me prevenida, e de mais a mais disposta a desafiá-la para que me incomode.
- E como o prazer lhe salta nos olhos! - dizia Joana a contemplá-la, e a saborear o seu quinhão daquela comunicável alegria.
- Não, que a minha irmã não imagina quanto me sinto bem! Parece que renasci! Ó Vitorina, vai ver como está isso lá de cozinha. Tenho vontade de jantar. Vamos jantar logo, Joanhinha?... E se seu irmão nos aparecesse agora! Se ele me encontrasse de posse do seu quarto e dos seus livros, e a escrever as minhas novas Esperanças... Esperanças! - sorriu ela, acentuando a palavra. - Agora é que as esperanças de amanhã não hão de inquietar o bem de hoje! Até agora o que eu esperava era isto... esta paz, esta doçura de viver, sem parentes, sem ninguém, senão com as pessoas que sacrifiquei, e me querem bem, apesar de tudo, não é verdade?
- Mas se seu marido a vem buscar, minha senhora!
- Buscar-me! Eu morri, ou ele morreu... não sei bem quem foi; mas o certo é que nos não veremos mais...
Àquela mesma hora, Hermenegildo jantava na cevadeira de Atanásio. Escarmentado pela ceia da véspera, não comeu empadão de ostras; mas fez-se em lagosta e salmão.