“Em meio do almoço, o marido exilado da pátria e da esposa que o desonrou, me disse que aquela mulher era o seu aconchego, e a consolação das suas mágoas. Isto me fez um certo engulho, e fiquei depois a pensar na desmoralização daqueles cinquenta anos. Talvez que a mulher cuide lá que o seu esposo anda por cá muito atormentado! Contei-te este caso por achar nele, não direi sal, mas podridão dos costumes contemporâneos, etc.”
leu Ângela a carta, interrompendo-se com impulsos de riso no derradeiro período.
- E se ele soubesse que eu era a esposa de Sancho!... - exclamou ela, casquinando uma argentina risada. - Que piedosas lágrimas não verteria o nosso Francisco, minha irmã! E, se não chorasse, pode ser que eu lhe fizesse também engulho!...
A despeito do riso, Ângela doera-se, e em secreto sentiu ímpetos de chorar. Não lhe pungia a ridícula libertinagem do marido. Que lhe fazia isso a ela? O nojo não tinha já onde coubesse. A mágoa era toda de amor-próprio; era prever que Francisco Costa, um dia, ao saber que tão grotesco homem era o marido da mulher única do seu amor, sentiria despintar-se-lhe da fantasia o colorido ideal com que a eterizava nos dois livros chamados Ângela.
E, como esta mágoa era de espécie ruim de revelar-se, a calá-la foi um penetrar-se, mais dos espinhos de sua perdoável vaidade, e entristecer-se a extremos de dar que sofrer à amiga e a Vitorina.
Perguntava ela uma vez a Joana:
- Seu irmão, quando soube que eu casara no Minho, como o soube?
- Porque um homem de Ponte lhe disse que a filha do Sr. general Noronha tinha casado muito rica, e o soubera do mordomo de seu pai...
- Eu vi aqui no livro dele, - interrompeu Ângela - uma alusão ao meu casamento. Diz ele assim... (E abriu o livro, onde tinha