a lauda dobrada, e leu:)
Que pena terás de ti própria, Ângela, quando não sentires o calor da tua alma nas formas tão belas, tão vestidas de celestial luz, conspurcadas no sevo da brutal cupidez do argentário!... Sabe, minha amiga, o sentido destas palavras?
- Sei, minha senhora. É porque o mordomo de seu pai tinha visto, não sei onde, seu marido, e dissera ao outro que nunca vira coisa mais feia.
- E seu irmão desprezou-me por isso?
- Leia vossa excelência a continuação do livro e verá que ele não a desprezou: amou-a sempre com a mesma elevação espiritual do tempo em que ele dizia, e eu mal o percebia: Como homem de alma adoro Ângela, ilumino-a à luz que radia das minhas crenças em Deus. Quantas vezes eu lhe dizia: - Por que não amas outra? - E ele respondia-me: “Não se aviltam certas almas quando mesmo queiram envilecer-se...”
- Isto está escrito - apontou Ângela, e continuou lendo: Entre ti e Deus poderá existir outro elo, minha querida amiga; mas eu não o conheço. Se um dia o conhecer, então esquecer-te-ei. O homem, que te chama sua, é apenas a lama que se apegou ao brilhante caído no tremendal. Eu serei sempre, na tua memória, o aro de ferro onde realçaria o teu brilho. A sociedade enxovalhou-te, impeliu-te, a golpes da miséria, à degradação dos corpos escravos do ouro; mas eu sei que a tua alma se vai alçando mais para a sua origem purificada por agonias superiores às minhas. A mim resta-me a independência para chorar; e tu não tens sequer esse desafogo, minha pobre Ângela! Eu sou mais feliz, e não queria sê-lo...
Estas leituras e os comentos de Joana despontaram as puas do amor-próprio. A satisfação renasceu.
Neste tempo, noticiaram as gazetas portuenses que o general Noronha voltara de novo a Paris, e recolhera a Portugal sem esperanças de cura, sendo um dos seus flageladores padecimentos uma quase cegueira, que lhe tornava horrorosa a existência no seu solitário palacete de Ponte.