Aprazivelmente reconheceu a sanidade do espírito do homem, que lhe dizia com voz roufenha:
- Sempre vossa senhoria é um grande cirurgião! Palavra de honra, que eu estava a espichar desta!
Francisco Costa disse à concubina que saísse do quarto, e sentou-se à cabeceira do doente.
- Parece-lhe que estou pior, doutor? - disse assustado o brasileiro, traduzindo funestamente o aspecto severo e pensativo de Francisco.
- Não senhor. Está melhor. Poderá o Sr. Hermenegildo ler um papel que eu aqui tenho?
- Ler um papel?! Que papel é esse? Posso ler perfeitamente.
- Leia.
Fialho recebeu uma meia folha de papel selado, que continha o seguinte:
Declaro eu abaixo assinado Hermenegildo Fialho Barrosas, negociante que fui no Porto, e atualmente morador no Rio de Janeiro, que recebi do cirurgião Francisco José da Costa, residente na mesma cidade, a quantia de um conto, seiscentos e cinquenta mil réis, fortes, que minha mulher D. Ângela de Noronha tinha emprestado a Joana Costa, irmã do dito cirurgião, e costureira residente no Porto, a fim de com esta quantia, recebida em diversas parcelas, o referido cirurgião poder continuar a completar a sua habilitação para curar. E, como isto é verdade, pedi ao dito Francisco José da Costa que este fizesse para eu assinar a presença de três testemunhas que são...
Aqui terminava a leitura.
Hermenegildo sentara-se espantado no leito, ao passo que Francisco tirava duma carteira um maço de notas, e lhe dizia serenamente:
- Torne a ler, se quiser, Sr. Fialho; mas não me faça perguntas; porque tudo que tenho a responder-lhe está aí. Eu sou o irmão da viúva honrada que ia a sua casa. Fui um moço pobre que a Sr.ª D. Ângela conheceu bom e digno de ser estimado na mocidade de ambos. Recebi dessa virtuosa senhora a esmola da minha formatura, ignorando a quem a devia.