Hermenegildo pegou a dar gritos que o doutor o mandara envenenar na tisana da quina. Os médicos, chamados um de pós outro, iam cedendo o passo ao último, indignados da aleivosia com que o estúpido enfermo caluniava o ilustre carácter de Francisco Costa e o do seu substituto.
A doença entrou no décimo quarto dia, com mortais sintomas. Aquela massa reagia com frenesi ao esfacelar da morte. O gemer dum doente vulgar era em Hermenegildo um rugir ferocíssimo. Rosa Catraia ganhou-lhe medo, e fugia da beira do leito receosa de que o legado do moribundo fosse algum daqueles murros que fendiam o espaldar do leito. Recolhida em sua dor, a choruda alvéola da ribeiras de Barrosas começou a cobrir com as asas os brilhantes e notas que se lhe depararam na sua irrequieta angústia. Nestes transes foi-lhe grande auxiliar um criado da casa, parente em quarto grau do patrão, rapazola de espáduas anchas, que prometia reabilitar os créditos de Rosa por meio dum decente matrimónio, logo que seu patrão e primo “desse a casca”, frase lírica e pitoresca da Catraia.
Assim, pois, que o último assistente declarou perdidas as esperanças de cura, o primo de Atanásio começou de arrebanhar os livros e papéis do moribundo - cuidado que lhe tinha sido sobremodo recomendado do Porto, logo que Hermenegildo adoecesse gravemente. Notou o arrecadador dos livros comerciais que os haveres do moribundo, superiores a duas centenas de contos, estavam em poder de Pantaleão, de Joaquim António, e de seu primo Atanásio José, repartidos em avultadas somas, das quais Fialho tinha cobrado as declarações encontradas, e lavradas com suficientes solenidades legais. Este quarto ladrão que descobria os três do Porto considerou-se o melhor colherdeiro da herança, porque desde logo computou a percentagem a auferir.