Costa fitou o semblante do cego, e baixou maquinalmente a cabeça.
O apresentante prosseguiu:
- Eu tinha visto dois prodígios de vossa senhoria, e assim que soube dos padecimentos de sua excelência, animei-me a solicitar a sua vinda com grande confiança na perícia do senhor doutor.
- Agradeço a vossa excelência a confiança imerecida com que honra o pouco que sei e valho. Onde quer ser operado o senhor conde?
- Se fosse possível, na terra onde vossa senhoria reside - respondeu o cego.
- Nas Boticas não creio que haja casa capaz - observou Pizarro.
- Há - contradisse o cirurgião.
- Sim? - acudiu o conde.
- É a minha - tornou Costa. - Se vossa excelência quiser...
- Quero, meu Deus, quero; nem posso querer outra coisa, e desde já lhe aperto as mãos com o mais sentido reconhecimento - disse o velho com alegria.
- Não pode hospedar-se melhor - confirmou o parente.
- A casa é de aldeia - tornou Costa, sorrindo - mas, enquanto o senhor conde for cego, dispensa o luxo dos ornatos; e, depois que tiver vista, irá para sua casa. O essencial é que vossa excelência tenha um leito, um cirurgião a ponto, e pessoas que o sirvam. Isso lhe ofereço.
- Não ouso dizer a vossa senhoria que remunerarei o que é remunerável - disse o conde -; mas o maior número dos seus favores não se retribui a dinheiro.
- O dinheiro nestas aldeias, senhor conde - volveu Francisco - não é extremamente apetecível, porque faltam cá, ainda bem, as tentações que o encarecem.
- Não sei - refletiu o general - como um facultativo de tanto merecimento se aclimatou em Barroso!
- À procura duma subsistência parca, bastantíssima à felicidade doméstica.
- Então é aqui feliz?
- Mais do que dizem que se pode ser neste mundo.
- É o primeiro homem que me responde isto! - maravilhou-se o general, volvendo a cabeça para o lado onde sentia gente.