- Nunca foi infeliz?
- Fui apenas infeliz trinta e um anos.
- E quantos tem?!
- Trinta e três, senhor conde.
- Então a sua felicidade é recentíssima! Encontrou-a aqui?
- A perfeita, a inexcedível encontrei-a em Barroso.
- Tem família?
- Mulher, um filho e uma irmã.
- São as delícias da sua vida!... não são?
- Certamente... - respondeu Costa, espantado do tom dulcíssimo com que abemolara aquelas palavras a selvagem índole do pai de Ângela, e do amante de Maria d’Antas.
- Eu também fui casado - tornou o cego - e amei extremosamente minha mulher, que morreu de dor instantaneamente quando me viu ferido de morte em batalha. Compreendo esse sublime e sagrado amor de marido...
- E de pai?... Não tem vossa excelência a boa fortuna de ter filhos?
- Não... não tive... - balbuciou secamente o conde, e declinou a direção da prática, perguntado:
- Quando quer vossa senhoria que eu vá para a sua hospedeira casa?
- Amanhã, querendo vossa excelência. Hoje mando dar algumas ordens ao aposento que o senhor conde vai honrar.
- O senhor doutor!... beijo-lhe as mãos. E poderei chamar um escudeiro que me trata há muitos anos?
- Pois não! Esperarei vossa excelência, a menos que me não dê ordem de o acompanhar desde aqui...
- Não senhor - atalhou o fidalgo flaviense - eu acompanharei o meu amigo.
- Recebo as ordens de vossas excelências - disse Francisco José da Costa, e saiu.
- Este homem pareceu-me extraordinário! - considerou o conde. - Tem uns ares altivos, não tem?
- E mais vossa excelência não lhe viu a gravidade imponente do rosto! As maneiras são de boa sociedade, e o olhar tem uma penetração de águia. Eu estava a gostar de o ouvir.
- Também eu! Muito lhe devo, meu amigo! De mais a mais deu-me um operador simpático, com uma família que me há de aligeirar as horas? Muito lhe devo!
Entrou com tranquila aparência o cirurgião em casa.