Os Brilhantes do Brasileiro - Cap. 28: XXVIII - Confidências do cego Pág. 158 / 174

privar da ternura da filha? Não lhe fez odiosa a sociedade para o infernar bem dentro de si mesmo?

Pois se é racional reconhecer a Providência na expiação de tão longo prazo, será absurdo reconhecer-lhe a misericórdia naquele dilúculo de contentamentos, após quarenta anos de noite, de ira, de tédio, de ateísmo, de remorso, e de inferno?

Alegremente, pois, dizia o conde:

- A senhora D. Maria fala muito pouco. A senhora D. Joana é mais conversadora.

- Eu falo pouco, senhor conde?... Tenho um gênio melancólico... - disse Ângela.

- Ainda lhe não disse, minha senhora, que o seu metal de voz desperta-me recordações tristes; e, não obstante, consolo-me de a ouvir. Conheci o timbre da sua voz não vulgar em duas pessoas...

Ângela e Joana entreolhavam-se suspensas dos tardos dizeres do conde. Ele, porém, recolheu-se, abateu o rosto caído e como subitamente macerado.

- Está tão triste, senhor conde! - disse Joana. - Não queremos vê-lo assim!... Não pense no passado. Lembre-se só de que vai recuperar a sua vista...

- Para ver sepulturas, e ver também onde hei de abrir a minha...

- Para ver as pessoas que lhe desejam muitos anos de alegria, e uma é minha imã... Maria, outra sou eu, e meu mano... Aqui tem já vossa excelência três pessoas que lhe querem muito...

- E eu sei quanto pode a comiseração em suas excelentes almas, minhas senhoras... Os incómodos que eu tenho já dado para me não faltar nenhuma destas niquices de velho, e de cego... A pobre Vitorina toda a noite, assim que eu gemia, estava ao meu lado... Penso que era ela; que duma ou duas vezes quem me falou foi a senhora D. Maria, não foi?

- Fui, senhor conde. Eu estava ainda a pé nas minhas rezas, e mais minha irmã.

- Peçam a Deus por mim, virtuosas senhoras.

- Pedimos, pedimos, senhor conde - disse Joana.





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