Sopesa o coração, se o sentires mais pusilânime do que eu desejo.
- Conta comigo, Francisco. Ele não me vê chorar.
As duas senhoras sentaram-se em frente do canapé, costurando nas faixas e panos necessários para o curativo. Antoninho agatinhava à preguiceira, e passeava amparando-se à beira do estofo ou aos joelhos do cego, que nunca o deixava passar sem um beijo. A criança ria às guinadas, quando vingava iludir o velho, que se fingia zangado com o engano.
Quem seis dias antes tivesse visto no palacete de Ponte o solitário cego, de fronte abatida para o peito, braços pendidos, ou agitados, a espancar as trevas interiores em busca de um lampejo que lhe deixasse entrever a vida de além túmulo! Quem agora o visse na casinha das Boticas, a brincar com um menino, a rir das criancices que não via, a folgar que Joana lhe descrevesse as cabanas da aldeia, os trajos das barrosãs, a sua maneira de dizer, as bagatelas com que pessoas alegres costumam aligeirar as horas!...
Esta incongruente transfiguração quem a operou? A esperança da luz? O contato da família feliz? A influência misteriosa do que há aí sem nome, e sem ideia nos atos da Providência?
Tudo isto, e o mais que possa ocorrer às almas inteligentes de espiritualismo, não nos dá a causa de tão capital mudança.
Eu ousaria explicar tudo em pouco. A palavra Deus abrange o incógnito de céu e terra, o incompreensível da alma, e o insondável liame de coisas que a razão natural, de pouco alcance mas inflexívelmente orgulhosa, capitula de paradoxos. Deus. Por que não?
Se Simão de Noronha delinquíra, o açoute da justiça não lhe estalava, desde o instante da ira, nas fibras do corpo? Não se lhe apagou primeiro lá dentro a lâmpada da fé? Não lhe tirou Deus o amor paternal para o