- Pois não é possível?! Afigura-se-me até provável... O impedimento único seria ter ela morrido. Se existe, hei de descobri-la mediante as diligências dos meus amigos. Encontrada ela, tem vossa excelência a sua filha nos braços.
- E, se ela mos repelisse!... - conjecturou o velho, quebrado do vigor com que estivera dialogando.
- Seria incrível!... - objetou o marido de Ângela.
- Eu também a repeli... - contraveio o conde.
- Tão justificados seriam os motivos...
- As calúnias, e mais que tudo... a terrível doença da minha alma... a peçonha que ma queimava... a desesperada tristeza que me ia levando à demência, e me deixou o pior... que foi a vida, a consciência dos meus crimes encadeados uns noutros, como os fuzis do grilhão que amarra o criminoso ao cepo... Aí vem o meu demônio... - disse reconcentrado o conde...
- Mal vamos assim! - acudiu o facultativo, tomando-lhe o pulso. - Senhor conde, domine-se, arranque-se dessas intermitentes, pelo menos enquanto não estiver inteiramente restaurado.
- Senhor conde! - rogou ternissimamente Ângela - peço-lhe pelo divino amor de Deus que não se aflija... Diz-me o coração que sua filha o ama, e lhe dará anos de muita alegria e sossego de alma. Verá que não me engano o pressentimento... O seu mordomo vai amanhã para o Porto. Daqui a oito dias pode muito bem acontecer que sua filha aqui esteja, a pedir-lhe perdão, se caiu nalgum erro...
- Não caiu! - exclamou o velho. - Precipitaram-na; fui eu, foram todos os que deviam ampará-la com o seio, com o coração, se ela pendesse a cair...
- Pois bem, senhor conde; melhor assim: não terá vossa excelência dificuldade em perdoar-lhe, nem ela ousará acusar seu pai nem seus parentes.
- Se ela tivesse no seu coração como está na sua voz, minha senhora! - murmurou o velho, estendendo-lhe a mão para lha apertar em impulsos de reconhecimento.