João Pedro. Dirá ao Sr. general que a filha de D. Maria d’Antas aceitou esta chávena de chá, e um leito onde passar uma noite.
- Uma noite! - volveu espantado o velho. - Vossa excelência está em sua casa, penso eu. E, se me não engana o coração, a fidalga não sairá mais da casa de seu pai.
- Amanhã.
- Amanhã! Pois vossa excelência ainda há pouco parecia resolvida a ficar esperando que o senhor general...
- É verdade; mas resolvi outro passo menos desonroso. Amanhã iremos para Barrosas, Vitorina. Aceitaremos o bem-fazer da mulher humilde. Ela foi pobre; será por isso mais compadecida.
- Estou às aranhas, minha senhora! - exclamou João Pedro. - Faça-me o favor de mudar de ideias, e queira desculpar o meu atrevimento. A senhora tenha prudência. Já que veio, fique; que seu pai, quer queira quer não, para fora de casa não a manda...
- Manda - afirmou Ângela com veemência. - Diga-me uma coisa, Sr. João: nunca ouviu falar de mim ao Sr. general?
- Nunca: eu não sei mentir.
- Quem supõe vossemecê que seja herdeiro do senhor general?
- Os irmãos da mulher com quem ele casou quando tinha dezasseis anos, uns homens de pé descalço, que nunca vieram a esta casa. Eu desconfio, minha senhora, que seu pai está doente da cabeça, há coisa de quatro anos. Os médicos não atinam com a cura por que lhe procuram a doença no peito, e ele tem-na nos miolos; salvo tal lugar. É por isso que eu desejava que ele visse aqui vossa excelência, porque, se a visse, parece-me que atremaria outra vez.
- E, se ele morresse em Paris, eu seria expulsa desta casa pelos homens de pé descalço, não é verdade? - perguntou Ângela.
- Seria o que fosse. Eu, e mais os criados todos, iríamos jurar que seu pai não regulava do juízo quando fez o testamento; e p’ra prova basta dizer que ele mandou trazer da capela do Paço de Gondar o esqueleto da tal Josefa Salgueira com quem foi casado, e tem-no debaixo da cama num caixão de pau de alcânfora.