- Jesus! Tu estás aí a asnear, homem de Deus! Pois uma senhora tão boa, tão rezadeira...
- Ora, contos, minha amiga; as que rezam muito lá sabem por que o fazem. Se elas não tem pecados, p’ra que rezam? Responde lá, se és capaz!
- Tu és herege, Hermenegildo!
- Qual herege! Sou felósefo, é o que eu sou.
E era.
Enquanto ele filosofava em linguagem correntia - mérito de que não se gabam muitos de seus confrades - lances extraordinários passavam na vida de Ângela.
Estava ela à janela em um Domingo de manhã quando viu subir da Praça Nova uma mulher de mantilha, que a fez estremecer vista de longe. Desceu de corrida ao primeiro-andar e abriu a janela a tempo que a mulher passava defronte. Duvidou, acreditou, hesitou, e enfim disse em voz alta à criada que a seguira assustada:
- Será Joana?!
A mulher, que passava, voltou o rosto rapidamente, deu de olhos em Ângela e estacou.
- É ela, é ela! - confirmou Vitorina.
- Suba Sr.ª Joana! - disse a senhora agitadamente, correndo a recebe-la no pátio.
- Ó minha senhora - exclamou Joana - Ó meu Deus! Pois eu encontro aqui a Sr.ª D. Ângela! Ainda torno a ver esta senhora!
Abraçaram-se enternecidas e subiram sem se desenlaçarem.
- Como ela está acabada! - disse Vitorina benzendo-se.
- Estou muito velha e muito doente... e vossa excelência ainda tão formosa, mas mais descoradinha!... Eu vim de Viana há três meses, perguntei por vossa excelência, e ninguém me soube dizer onde parava. E estava aqui! E eu sem o saber!
- Então tem tido muitas amarguras na sua vida? - perguntou Ângela com os olhos afogados em lágrimas muito fitos nela.
- Oh, se tenho, minha senhora! Há perto de quatro anos a vivermos dum trabalho pouco rendoso...
- A viverem... - atalhou Ângela.