- Bem sei. Vem buscar-me. Fui eu que o matei. Está aí a polícia, não?
Estou pronta. É pôr um xaile.
- Ninguém o sabe, disse-lhe eu baixo, e, sem saber por quê, comovido.
- Que me importa? Não o oculto. Matei o meu amante. Fui eu. Ah! pois quê? nós outras damos a nossa vida, a nossa alma, entregamos todo o nosso ser, pomos nisto toda a nossa existência, a nossa honra, a nossa salvação na outra vida, e lá porque vem outra que tem os cabelos mais loiros ou a cinta mais fina, adeus tu, para sempre! olá criatura! desprezo-te, tu foste para mim o momento, o capricho, a futilidade. Ah! sim? Então que morra. Que quer mais? Vá buscar os policemen.
Eu disse-lhe então, em voz baixa:
- Fui encontra-lo banhado em sangue.
Ela olhou-me desvairadamente um momento, e de repente, arremessando-se sobre o sofá, abraçou-se ao crucifixo e com um delírio de soluços:
- Ah, meu Deus, perdoai-me! Perdoai-me, Jesus! Perdoai-me! Fui eu que o matei! Estou doida decerto. Pobre Ritmel! Ritmel da minha alma! Não o torno a ver, não lhe torno a falar! Acabou-se para sempre!… Jesus, o que eu sinto na cabeça!… Em Calcutá adorou-me, aquele homem. Ajoelhava aos meus pés, eu queria morrer por ele. Diga-me, escute: enterraram-no? Está
muito ferido? Eu não o feri no rosto? não, isso não! Vá depressa. Vá buscar a polícia!… Mas porque me não prendem? Ah meu pobre Ritmel! eu morro, eu morro, eu morro! Daqui a pouco começam a tocar os sinos!..
Ergueu-se com gestos de louca, foi ao espelho, compôs o cabelo com ar desvairado, e de repente voltou a abraçar, apaixonadamente, o crucifixo negro.
- Escute, disse-lhe eu. Ritmel não morreu.
- Não morreu? gritou ela.
De repente, arrojou-se aos meus braços que a ampararam, tomou-me a cabeça entre as mãos, e fitando-me com uma grande angústia:
- Diz-me: não morreu? Está salvo?
- Está, disse eu.