alemão, que se achava de joelhos em cima da cama a revistar a parede, expediu um pequeno grito, que me pareceu mais de surpresa que de terror, com quanto o acompanhasse um estrondo pesado e extremamente significativo. O que produzira esse estrondo fora o baque do corpo dele, caindo da cama abaixo.
Logo depois ouvi a voz do vizinho perguntando com decisão e firmeza:
- Quem está aí?
Respondi-lhe:
- Sou eu.
- Quem és tu?
- E tu quem és?
- Frederico Friedlan, cidadão prussiano.
- Ah! disse eu.
- Viajo por conta da primeira fábrica de produtos químicos de Buda Pest, os quais sou encarregado de tornar conhecidos dos grandes industriais da Europa.
- Bem! observei.
Ele continuou impassivelmente:
- Contou-me um judeu meu amigo que havia em Lisboa três prédios de que ele tinha notícia, os quais se achavam abandonados depois de algum tempo de terem ganhado fama de serem habitados por almas do outro mundo. Resolvi morar sucessivamente nas casas que ele me indicou e é esta a primeira que habito. Componho um livro com investigações a respeito do espiritismo. Poderei saber agora a quem me dirijo?
- Pois não! tornei-lhe eu. Chamo-me fulano, e vivo dos rendimentos das minhas propriedades, ora viajando, ora residindo em Lisboa, e ocupando-me de vez em quando com a política ou com a literatura, quando não tenho outra coisa menos insipida e menos inútil em que agitar a minha ociosidade e o meu tédio. Não sou espiritista.
- Pois faz mal! O espiritismo é um sistema e pode bem suceder que venha ainda a ser uma religião.
- Puf! exclamei eu rindo.
- O quê! continuou ele. O materialismo, guiado de um lado pelas conquistas das ciências físicas e naturais e de outro lado pelo relaxamento dos costumes contemporâneos, e pela depressão sucessiva e assustadora da moral, vai comendo no campo da filosofia o espaço não já muito vasto em que residia a fé.