Vejamos.
É possível que numa cidade pequena como Lisboa, em que todos são vizinhos, amigos, e parentes, o doutor *** que parece ser um homem notado na sociedade, vivendo nela, frequentando as suas salas e os seus teatros, não conhecesse nenhum destes quatro mascarados, que pelas suas indicações pertencem a essa mesma sociedade, se sentam nos mesmos sofás, escutam a mesma música nos mesmos salões e nos mesmos teatros?
Uma mascara de veludo preto não basta para disfarçar um conhecido. O seu cabelo, o seu andar, a sua estatura, a sua figura, a sua voz, as suas mãos, a sua toilete, são bastantes para revelar, trair o individuo. O doutor *** pois nunca os tinha visto? O quê? Pois eram tão galantes, tão distintos, governam tão bem as suas parelhas, falam tão bem as suas línguas, pareciam tão ricos, e o doutor *** um médico, um homem relacionado, um velho diletante de S. Carlos, nunca os viu, nunca os percebeu, nesta terra, em que toda a vida se concentra nos doze palmos de lama do Chiado! E F… tem um amigo íntimo entre os mascarados, diante de si, na carruagem, joelho com joelho, e não o reconhece, pelas mãos, pelos olhos, pelo corpo, pelo silêncio até! Comedia!
E o menos conhecido, o menos célebre dos rapazes de Lisboa, mascara-se no carnaval de Turco, enche-se de barbas, cobre-se de plumas, veste-se de Mefistófeles, de Cidevant, ou de Melão, e não há ninguém que no salão de S. Carlos, não diga ao passar por ele: lá vai fulano! E é de noite, às luzes, e as mulheres olham-nos, e estamos distraídos, e não estamos numa estrada, de dia, surpreendidos e violentados! Tanto nos conhecemos todos! Comedia! Comedia!
E aqueles mascarados, são tão inocentes, tão ingénuos, que vão procurar, num momento tão perigoso, o homem que pelas suas relações, pela sua posição, pela sua inteligente penetração, mais facilmente os poderia reconhecer.