Calafrio - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 33 / 164

Neste ponto, sou obrigada a admitir que o que me levava a considera tudo o resto como algo de pouco significativo era simplesmente o meu trabalho encantador, a vida que partilhava com Miles e Flora, que me dava a sensação de que bastava nela mergulhar para que todas as preocupações se eclipsassem como que por milagre. Todas as pequenas tarefas que constituíam os meus deveres eram fonte de uma alegria constante, o que me levava a reflectir com espanto em todos os receios com que me vira confrontada no inicio da aventura, na sensação desagradável que de mim se apossara ao compreender que as minhas aulas talvez acabassem por transformar-se em algo de cinzento. Contudo, esta hipótese parecia estar definitivamente afastada. Afinal, como não considerar encantadora uma missão que se apresenta todos os dias na forma da própria beleza? Era como se nada mais existisse para além das histórias do quarto dos brinquedos e dos poemas da sala de aulas. Bom, claro que isto não significa que estudávamos apenas ficção e poesia, mas que não consigo encontrar outros termos para descrever o interesse que os meus companheiros me inspiravam. Como é que posso descrever o facto de, ao invés de me acostumar a eles (e qualquer preceptora reconhecerá tratar-se isto de uma maravilha — aí conto com o apoio de toda a irmandade!), era como se não parasse de fazer descobertas. Contudo, havia um ponto contra o qual todas estas descobertas esbarravam: tudo o que dizia respeito ao modo como o garoto se conduzira na escola permanecia mergulhado na obscuridade. Claro que me fora dada a oportunidade de encarar o mistério, e o facto não se traduzira por uma qualquer dor impossível de remover. Talvez seja correcto afirmar que, sem necessitar de pronunciar uma palavra, o próprio Miles se encarregara de dissipar todas as dúvidas, reduzindo tão grave acusação a algo de absurdo. Era impossível não o entender assim perante urna figura tão inocente quanto a dele. Sem dúvida que o garoto era demasiado belo e perfeito para o mundo pequeno, sórdido e mesquinho que era a escola, e tivera de pagar por isso. Depois de muito reflectir, concluí que este género de diferenças individuais, estas formas superiores de qualidade, provocam sempre na maioria — onde estão incluídos directores estúpidos e sórdidos — sentimentos de vingança.





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