- Capitão Nemo. Voltar uma segunda vez à questão, não seria do seu e nem do meu agrado. Mas uma vez que ela foi levantada, quero discuti-la até uma solução final. Repito-lhe que não se trata apenas da minha pessoa. Para mim o estudo é um refúgio, uma diversão suficiente, um passatempo, uma paixão que consegue me fazer esquecer de tudo.
Como o senhor, sou um homem para viver ignorado, obscuro, na frágil esperança de legar um dia ao futuro os resultados do meu trabalho, através de um aparelho hipotético confiado à água e aos ventos. Numa palavra, eu posso admirar o senhor, posso segui-lo com prazer num papel que compreendo sob certos aspetos, mas há ainda alguns pontos da sua vida que me fazem antevê-la cheia de complicações e mistérios, dos quais eu e meus companheiros não participamos. E mesmo quando os nossos corações bateram por sua causa, comovidos por algumas das dores que o atingiram ou impressionados pelos seus atos de gênio e coragem, tivemos de nos reprimir e não manifestar o testemunho de nossa simpatia, que faz nascer a contemplação do que é belo, quer venha do amigo ou do inimigo. Pois bem. É esse sentimento de estranheza a tudo que o toca que faz da nossa situação algo de inaceitável, de impossível até para ruim, quanto mais para Ned Land. Qualquer homem, só por ser homem, merece que pensem nele. Já pensou o que o amor pela liberdade, o ódio pela escravatura, podem fazer nascer de planos de vingança numa natureza como a do canadiano? O que ele podia pensar, tentar...?
Calei-me. Ele me olhava absolutamente impassível.