Uma Família Inglesa - Cap. 14: XIV - Iminências de crise Pág. 160 / 432

Mas nenhum alvitre lhe oferecia a imaginação atormentada.

Saiu, enfim, sem saber para quê, nem para onde; em vez de procurar os centros de reunião mais concorridos, e onde, de ordinário, se fazia ver e ouvir, mudou de rumo, deixou-se ir ao acaso e, passado tempo, caminhava por entre os pinhais que orlam a parte ainda não edificada da Rua da Boavista.

Nos seus hábitos de vida, essencialmente urbana, eram tão raras as ocasiões de se ver assim entre árvores e fora do povoado, principalmente àquelas horas do dia, que o facto estava-lhe causando uma impressão singular.

Parecia-lhe um mundo novo; e ali, a dois passos de casa!

Internou-se por pinhais e campos, até perder de vista a estrada. Parou enfim. Num estado moral, como o de Carlos naquela manhã, não são necessários os grandes espectáculos da natureza para incitarem o pensamento a uma dessas divagações a que anda tão sujeito o dos poetas.

A vastidão do mar, o horizonte amplíssimo que se descobre do alto das montanhas, o fragor da catarata que se despenha no vale subjugam e obrigam a meditar até os menos propensos a contemplações abstractas.

Haja porém um fermento de poesia no espírito de qualquer homem, ou tenha-se apoderado dele a melancolia, que é uma poesia também, e menores causas bastarão para se produzirem efeitos ainda maiores.

O caminhar do insecto ou o rastejar do verme por entre as folhas secas do chão, a lande, desprendida do ramo e arrebatada na corrente, o raio do sol, que vai colorir a maravilhosa teia que a aranha teceu nas tojeiras, nas praias o movimento de expansão das actínias ou rosas-do-mar, esses verdadeiros forçados das fragas, e outros iguais fenómenos, sem importância para quem os vê com ânimo distraído, são já alimento bastante para fantasias mais apuradas.





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