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Capítulo 14: XIV - Iminências de crise

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Carlos tinha a imaginação predisposta para estas impressões subtis e, como raras vezes se sujeitava a elas, recebia-as agora com duplicada intensidade.

Era pelas três horas da tarde de um dos mais formosos dias que nos pode conceder Fevereiro. Havia no campo aquela frescura, aquele renascer de vida que, após longos dias de chuva, traz um dia de sol claro. O céu não tinha uma nuvem, nem lhe empanava o azul o véu transparente das nebrinas. Os pinhais estavam silenciosos, como se, julgando-se já na Primavera, se tivessem calado para escutar as aves; o vento, de débil que era, mal podia agitar as folhas movediças das árvores que o Inverno respeita. Era tal a serenidade da tarde, que o fumo das casas rústicas subia ao ar lentamente, em colunas direitas, sem que uma viração as quebrasse, e só muito alto se dissipava na atmosfera.

Do lugar onde parara, Carlos ouvia distintamente a voz das raparigas do campo, chamando o gado, rindo ou cantando.

Era de longe que partiam aquelas vozes, mas a amenidade da hora e o silêncio deixavam-nas chegar até ali sonoras e perceptíveis.

Carlos sentiu-se enlevado por tudo aquilo.

– É uma singular loucura – pensou ele – julgar que se aproveitam os dias da juventude da maneira por que eu vou passando os meus. Do homem que teve a minha vida, enquanto novo, costuma dizer-se que soube gozar dela em tempo. E como é que eu dela gozei? Na atmosfera asfixiante de um café; na plateia de um teatro, onde se fala e pensa em tudo menos na beleza da arte; nas assembleias sensabores; nas esquinas das praças, ou em lojas à moda. Na verdade, que delicioso viver! E o espírito, que parece sentir-se palpitar, agitar-se em nós, quando assoma a mocidade, acaba por embotar-se, por adormecer; torna-se incapaz de nos proporcionar certa ordem de gozos, para os quais temos faculdades criadas.

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Capa do livro Uma Família Inglesa
Páginas: 432
Página atual: 161

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Espécie de prólogo, em que se faz uma apresentação ao leitor 1
II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo 11
III - Na Águia de Ouro 21
IV - Um anjo familiar 42
V - Uma manhã de Mr. Richard 53
VI - Ao despertar de Carlos 61
VII - Revista da noite 71
VIII - Na praça 81
IX - No escritório 94
X – Jenny 110
XI – Cecília 119
XII - Outro depoimento 128
XIII - Vida portuense 139
XIV - Iminências de crise 159
XV - Vida inglesa 168
XVI - No teatro 182
XVII - Contas de Carlos com a consciência 197
XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos 212
XIX - Agravam-se os sintomas 222
XX - Manuel Quintino procura distracções 236
XXI - O que vale uma resolução 247
XXII - Educação comercial 262
XXIII - Diplomacia do coração 277
XXIV - Em que a senhora Antónia procura encher-se de razão 283
XXV - Tempestade doméstica 290
XXVI - Ineficaz mediação de Jenny 298
XXVII - O motivo mais forte 305
XXVIII - Forma-se a tempestade em outro ponto 312
XXIX - Os amigos de Carlos 326
XXX - Peso que pode ter uma leviandade 344
XXXI - O que se passava em casa de Manuel Quintino 353
XXXII - Os convivas de Mr. Richard 362
XXXIII - Em honra de Jenny 371
XXXIV - Manuel Quintino alucinado 381
XXXVI - A defesa da irmã 397
XXXVII - Como se educa a opinião pública 406
XXXVIII - Justificação de Carlos 412
XXXIX - Coroa-se a obra 422
Conclusão 432