Carlos tinha a imaginação predisposta para estas impressões subtis e, como raras vezes se sujeitava a elas, recebia-as agora com duplicada intensidade.
Era pelas três horas da tarde de um dos mais formosos dias que nos pode conceder Fevereiro. Havia no campo aquela frescura, aquele renascer de vida que, após longos dias de chuva, traz um dia de sol claro. O céu não tinha uma nuvem, nem lhe empanava o azul o véu transparente das nebrinas. Os pinhais estavam silenciosos, como se, julgando-se já na Primavera, se tivessem calado para escutar as aves; o vento, de débil que era, mal podia agitar as folhas movediças das árvores que o Inverno respeita. Era tal a serenidade da tarde, que o fumo das casas rústicas subia ao ar lentamente, em colunas direitas, sem que uma viração as quebrasse, e só muito alto se dissipava na atmosfera.
Do lugar onde parara, Carlos ouvia distintamente a voz das raparigas do campo, chamando o gado, rindo ou cantando.
Era de longe que partiam aquelas vozes, mas a amenidade da hora e o silêncio deixavam-nas chegar até ali sonoras e perceptíveis.
Carlos sentiu-se enlevado por tudo aquilo.
– É uma singular loucura – pensou ele – julgar que se aproveitam os dias da juventude da maneira por que eu vou passando os meus. Do homem que teve a minha vida, enquanto novo, costuma dizer-se que soube gozar dela em tempo. E como é que eu dela gozei? Na atmosfera asfixiante de um café; na plateia de um teatro, onde se fala e pensa em tudo menos na beleza da arte; nas assembleias sensabores; nas esquinas das praças, ou em lojas à moda. Na verdade, que delicioso viver! E o espírito, que parece sentir-se palpitar, agitar-se em nós, quando assoma a mocidade, acaba por embotar-se, por adormecer; torna-se incapaz de nos proporcionar certa ordem de gozos, para os quais temos faculdades criadas.