XVIII - Contas de Jenny com a consciência de Carlos Saindo de casa de Manuel Quintino, Carlos não ia menos agitado do que deixara a filha do guarda-livros.
Aquela visita de Carlos, visita que, a seus próprios olhos, ele procurava fazer passar como a mais natural reparação de uma das suas muitas leviandades, talvez perante a análise imparcial tenha de receber outra qualificação, que não a de um cumprimento de dever.
Se se tratasse de outra mulher, que não fosse Cecília, de outra com menos graças atractivas, embora com mais direitos ainda à reparação, talvez Carlos não chegasse a convencer-se tão profundamente e tão depressa, como parecia ter-se convencido, da instante e imperiosa necessidade daquele passo que dera; talvez o pensamento de tal visita o não tivesse possuído toda a noite e, pelo menos, não se resolveria por certo a realizá-lo, sem haver consultado Jenny, a sua boa conselheira em todos os actos da vida; mas, longe de a consultar, antes lhe andou ocultando com cuidado o projecto, enquanto o meditava, como com receio de ser dissuadido dele.
Há certos homens, escrupulosos respeitadores da letra das leis, que praticarão desafogados qualquer acção, averiguadamente ilícita, sempre que possam sofismar os artigos do Código de maneira que se ressalvem da pronúncia judicial, dando-se-lhes pouco que o espírito que os ditara ao legislador fique muito maltratado pelo sofisma.
Isto que se pratica com as leis civis, poucos são os que, todos os dias e a cada momento, o não fazem também em relação ao código íntimo da consciência. Raros ousam, se alguns, arrostar contra as prescrições deste juiz inflexível e perscrutador, e confessar o delito desassombrados; quase todos as discutem, as torcem, as comentam, alteram e sofismam, até as porem em acordo aparente com os actos que praticaram.