Uma Família Inglesa - Cap. 2: II - Mais duas apresentações, e acaba o prólogo Pág. 19 / 432

Desenvolvia-se de ordinário uma perfeita táctica, e engenhosamente tecida da parte de Jenny, em quase todas estas conferências íntimas entre os dois irmãos.

Virtuosa e simpática hipocrisia, com que Jenny, para dominar, se humilhava!

Quando os anjos nos imitam na dissimulação, ainda então não perdem a sua candura. São sempre anjos. Roçam com as asas pelo lodo do mundo, mas levantam-se imaculados.

Quem ensinara a Jenny, cuja vida se deslizara quase toda no trato íntimo de sua pouco numerosa família, esta ciência do coração, que dizem só adquirir-se no muito lidar com os homens e com o mundo? Já o indicámos: – a sua índole pensativa, os seus hábitos de reflexão. Mais se aprende na leitura meditada de um só livro, do que no folhear levianamente milhares de volumes. Assim também no estudo dos caracteres. Observadores há que, após anos e anos gastos a viver com os homens, morrem em ingénua ignorância a respeito deles; outros que, na solidão do gabinete, perscrutam no próprio coração os segredos dos mais, decifram-nos, porque descobertas aí as leis principais e comuns a toda a natureza humana, fácil é adivinhar depois as secundárias, de onde procedem as diferenças. Surpreende deveras quando se vê sair desses cantos obscuros um homem a todos desconhecido, e que a todos parece conhecer. Como e onde aprendeu este homem tudo isto? Pela observação desapaixonada em si, ou, quando muito, nos seus mais próximos; depois a inteligência, vigorada por este ensino, abalançou-se, guiada por vestígios na aparência insignificantes, a induções fertilíssimas.

Carlos não sabia resistir muito tempo à irmã. Sem suspeitar que cedia, recuava passo a passo. Aproximava-se do fim onde a hábil contendora o queria levar e, ao atingi-lo, ficava surpreendido de haver realizado, com tão pouco custo, supostos sacrifícios, cuja ideia só, momentos antes, o tinha feito desanimar de empreendê-los.





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