Uma Família Inglesa - Cap. 17: XVII - Contas de Carlos com a consciência Pág. 198 / 432

Em uma palavra, Carlos, que tinha visto frequentes vezes Cecília, ainda que nunca muito atentamente, não pôde, por mais que o tentasse, tirar da memória uma imagem distinta dessa rapariga.

Em compensação, recordava-se do metal de voz sonoro, com que ela lhe falara no baile, da graciosa maneira de rir, de tudo quanto lhe dissera, de todas as pequenas circunstâncias daquela aventura do Carnaval, de todas, e tão profundamente se deixou embeber nestas cogitações que, apoiada a cabeça entre as mãos, os cotovelos sobre a mesa, e os olhos meio fechados, nem se lembrava de Byron, que sinceramente julgava continuar a ler, nem sequer tinha consciência do lugar onde estava.

A luz amortecida difundia no aposento soturna claridade, e o silêncio era tal, que Carlos ouvia-se respirar.

De repente, como que tentando sair daquele estado, afastou de si o livro com vivacidade.

Vergou a cabeça para trás, sobre as costas da cadeira, e passou a mão pelos olhos, à maneira de quem desperta de um sonho. Mas, depois de avivar a luz, caiu de novo na mesma abstracção de que saíra.

Foi, porém, só a mão esquerda que se encostou à cabeça desta vez, enquanto que a direita pegou em uma pena e pôs-se a desenhar e a escrever à toa sobre uma folha de papel branco que lhe estava ao alcance.

Escusado é dizer que a alma não tomava parte nisto.

Segundo a teoria de Xavier de Maistre, la bête ou o outro, que, em nós, devemos distinguir do eu, cansara-se de ler e escrevia agora. A alma, essa, continuava na tarefa anterior, meditava ainda.

Observo, porém, que são perigosas muitas vezes as ocupações a que o tal outro se entrega, quando sacode por momentos o jugo do companheiro. O mesmo Xavier de Maistre aponta-nos exemplos disso.

Uma das distracções mais arriscadas é esta de escrever.





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