Olhai por cima do ombro do homem absorvido em graves pensamentos, cuja mão move ao acaso a pena sobre uma folha de papel; entre muita coisa insignificante, é raro que uma ou outra palavra, ou outro sinal não simbolize, não denuncie a ideia dominante que o possui.
Esse outro motor ou princípio, que nos domina as acções, quando a consciência as não regula e dirige, parece ter, como a alma, uma memória também. Exerce-a sobre as particularidades insignificantes que acompanham qualquer acontecimento de importância para o nosso destino. Impressionou-nos uma revelação? Quando o pensamento se estiver ocupando dela, a memória do outro reproduzirá a maneira de trajar da pessoa de quem a ouvimos, a cor das paredes do aposento onde a escutámos, uma frase dita simultaneamente por um homem que passava. Ora, muitas vezes, estes acessórios têm ainda bastante analogia com o facto principal, para que um espírito investigador, sabendo-os, possa ir por eles, de dedução em dedução, até ao fundo dos nossos pensamentos.
Daí vem o perigo de confiar, em tais momentos, a pena da mão, que se move sob a vontade deste guia, o qual não tem a discrição necessária para não deixar no papel vestígios das suas curiosas memórias.
Era o que estava sucedendo a Carlos.
Principiou por desenhar, distraidamente, um elmo; isto parece nada ter que ver com as prováveis cogitações do seu espírito, naquele momento. Cumpre-me, porém, declarar que na ocasião em que no teatro, pela primeira vez, Carlos reparou em Cecília, passava por diante dele um indivíduo, embrulhado em um manto romano e com um elmo exactamente semelhante ao do desenho.