Uma Família Inglesa - Cap. 3: III - Na Águia de Ouro Pág. 21 / 432

III - Na Águia de Ouro

Era uma das últimas noites do Carnaval de 1855.

Havia menos estrelas no céu, do que máscaras nas ruas. Fevereiro, esse mês inconstante como uma mulher nervosa, estava nos seus momentos de mau humor; mas, embora; o folgazão Entrudo ria-se de tais severidades e dançava ao som do vento e da chuva, e sob o dossel de nuvens negras que se levantavam do sul. Graças à cheia do Douro, a cidade baixa podia bem prestar-se naquela época a uma paródia do Carnaval veneziano.

À porta dos teatros apinhava-se a multidão; os altos brados dos vendedores de senhas e os agudos falsetes dos mascarados atordoavam os ouvidos. Dos cabides dos guarda-roupas, provisoriamente armados nas lojas circunvizinhas aos principais salões de baile, pendiam vestuários correspondentes a todas as épocas e a todas as nações, e alguns aos quais não era possível assinar época, nação, classe ou condição social conhecida.

Numerosos grupos de espectadores paravam diante das exposições de máscaras à venda e tornavam o trânsito naquelas ruas quase impraticável. Era uma fascinação análoga à que produz um conto de Hoffmann em imaginações excitáveis a exercida neles por tantas máscaras enfileiradas, cuja diversidade cómica de expressão e de gesto lembrava um enxame de cabeças mefistofélicas, surgindo à luz para se rirem das loucuras da humanidade.

Estes absortos contempladores a cada passo vinham a si, desagradavelmente acordados pelas pragas enérgicas dos condutores de carruagens, prestes a atropelá-los, ou pela interjeição pouco harmoniosa dos cadeirinhas obrigados por causa deles a irregularidades no andamento da sua grave e benéfica tarefa. Só então, e ainda a custo, se dispersavam para, alguns passos mais adiante, se aglomerarem de novo.





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