Se é lícito comparar as grandes às pequenas coisas, veremos nestes a imagem de todos os inofensivos cismadores deste mundo, a quem sempre cruelmente vem despertar o embate dos afadigados em empresas positivas.
A animação era geral na cidade.
Todos corriam com ânsia… a enfastiarem-se, fingindo que se divertiam.
Alguma coisa havia também na Águia de Ouro, a anciã das nossas casas de pasto, a velha confidente de quase todos os segredos políticos, particulares e artísticos desta terra; alguma coisa havia nesta modesta casa amarela do Largo da Batalha, que desviava para lá os olhares de quem passava.
Desde as três horas da tarde que o tinir dos cristais e das porcelanas, o estalar das garrafas desarrolhadas, o estrépito das gargalhadas, das vozearias tumultuosas e dos hurras ensurdecedores rompiam, como uma torrente, do acanhado portal daquele bem conhecido edifício; e por muito tempo essa torrente, à maneira do que sucede com a das águas dos rios caudalosos ao desembocarem no mar, conservava-se distinta ainda, através do grande rumor que enchia as ruas.
Os criados subiam e desciam azafamados as escadas, cruzavam-se ou abalroavam-se nos corredores, hesitavam perplexos entre ordens contraditórias, vinham apressar os colegas na cozinha ou entretinham com promessas os impacientes convivas da sala.
No entretanto, o modesto e solitário freguês, a quem uma veleidade estomacal convidara a ir cear a humilde costeleta, principal troféu culinário da casa, era pouco atendido e, farto de esperar, retirava-se sorrateiro e cabisbaixo.
Sob aparências de modéstia, a Águia de Ouro parecia desta vez aureolada de não sei que majestade, condigna do seu emblema.
A luz escassa de um lampião da rua, batendo sobre a ave de Júpiter que coroa a tabuleta do estabelecimento, parecia dar-lhe reflexos mais brilhantes do que os do costume.