Verdadeiro inglês da velha Inglaterra, sincero, franco, às vezes rude, mas nunca mesquinho e vil, podia tomar-se por uma vigorosa personificação do típico John Bull.
Alheio e pouco propenso à metafísica, não o namoravam as transcendentes questões de filosofia, que preocupavam doentiamente as inteligências da época; todo votado à contemplação da face positiva da vida, se não se arroubava, como os exaltados optimistas, a considerar nos destinos futuros da humanidade, evitava também o estorcer-se nas garras do demónio da hipocondria, como se estorcem tantos, a quem prolongadas meditações sobre os males que perseguem o homem acabam por envenenar o pensamento.
Possuía em compensação Mr. Richard, e em alto grau, para lutar contra as ocorrentes resistências da vida efectiva, aquela qualidade de espírito, que, segundo Sterne, se diz obstinação nas más aplicações e perseverança nas boas.
Outra apreciável disposição de ânimo caracterizava ainda o nosso comerciante: – era a de não ser sujeito a longas mortificações, ou pelo menos – e com mais rigor talvez – a de as não manifestar nos gestos ou por quaisquer sinais exteriores.
Dir-se-ia, a julgá-lo pelas aparências, que espessa camada de estoicismo lhe encrostara o coração, libertando-o da influência dos estímulos, que mais dolorosamente costumam comover essa víscera de tão numerosas simpatias.
Neste mundo, ao qual os Heraclitos dos séculos cristãos granjearam o título lutuoso e elegíaco de Vale de lágrimas, não havia sucesso possível, catástrofe realizável, com força de alterar por muito tempo a costumada expressão fisionómica de Mr. Richard, de lhe desbotar sequer o colorido vigoroso, ou – como julgo se lhe chama em linguagem técnica – o colorido quente, do qual vinha ao gesto certo ar de satisfação, despertador das mais justificadas invejas.