Uma Família Inglesa - Cap. 6: VI - Ao despertar de Carlos Pág. 62 / 432

Espalhou-se então no aposento uma meia claridade, coada através das longas cortinas que, soltas das abraçadeiras douradas, rojavam pelo tapete.

Pôde então o velho observar a completa desordem que ia naquela sala.

Estes raios de luz, menos felizes do que os evocados pelo fiat lux do Génesis, pode dizer-se que vieram ainda iluminar um caos; pois dificilmente se encontraria mais apropriada expressão para designar o aspecto do aposento, a cuja vista se dissolveu em sorrisos toda a sisuda gravidade desenhada nos lábios e nas feições do mordomo.

A cena, de facto, escapa à mais esmiuçadora descrição.

Parecia que os objectos, ali contidos, haviam, durante a noite, entrado em dança fantástica, de tal sorte os surpreendera o dia, deslocados da natural situação.

As cadeiras, amontoadas em desordem no meio da sala, haviam usurpado as atribuições dos guarda-roupas; estes, abertos de par em par, patenteavam o interior desordenado e quase vazio, como após um saque de cidade conquistada.

Nas mesas, nos sofás, em voltaires, no chão, por toda a parte enfim, menos nos lugares competentes, viam-se casacos, coletes, calças, mantas de diferentes cores e feitios. O pavimento achava-se literalmente alastrado de objectos de impossível enumeração; aqui, umas luvas, calçadas pela primeira vez na véspera e já postas de lado como inúteis; ali, alguns ramos de flores desfolhadas e murchas, cuja posse, procurada talvez com incansável insistência, trouxe depressa após si o abandono e o esquecimento; noutros pontos, charutos meio consumidos, os fragmentos de uma preciosa jarra de porcelana da Índia, um livro, que cometera o delito de não excitar a curiosidade, uma cadeira derrubada com o fardo que lhe pesou sobre o espaldar; cartas, colarinhos, retratos, lenços, chicotes.





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