Não teve uma queixa, uma saudade, um desdém. As últimas palavras da sua vida eram dignas. Depois tirou um rosário do seio.
- Veio de Jerusalém, disse-me, dê-lho a ela.
Eu tinha os olhos humedecidos, Carmen, entretanto, empalidecia terrivelmente.
- Levem-me para cima, quero ver o mar, quero ver a luz.
Era uma manhã nebulosa e triste. O mar estava mais sereno. Colocámos Carmen cuidadosamente sobre almofadas e mantas, voltada para Malta. Lá tinha ficado a sua vida. Esteve muito tempo calada, com as mãos cruzadas.
- Que terra é aquela? perguntou mostrando com a mão tremula, uma linha escura no horizonte.
- A Africa, respondeu lord Grenlei.
Ela ficou olhando vagamente:
- Fui uma vez a Tanger, disse com uma voz lenta, era nova então! Era feliz! Estava um dia lindo… Era em maio…
Calou-se. E voltando-se para mim:
- Faz agora meses que passámos nesta altura, lembra-se? E aquele punch a bordo do Ceilão? Quando eu cantei uma habanera! Eu cantava então… O que é ser alegre! Tudo acabou, nunca mais! nunca mais!
E como falando consigo mesma:
- Tanta paixão, tanta inquietação! E aqui está: venho morrer só, no meio deste mar. Pobre de mim! E no fim, se eu em nova, em solteira, o tivesse encontrado, a ele… Eu pedia pouco então: um coração leal. Tive gostos simples sempre. As loucuras vieram depois… O marinheiro que canta as arias escocesas, onde está? Chamem-no. Não, não o chamem que me vai fazer chorar.
Nós escutávamo-la; a sua alma falava como um pássaro canta ao morrer. As nuvens desfaziam-se, o azul aclarava, ia aparecer o sol.
- Vejam isto, continuou ela. Em nova diziam-me és bonita, amo-te! E agora que morro aqui, quem se lembra de mim? Os que me conheceram onde estão? Uns mortos, todos esquecidos. Estão agora alegres, amam outras, vão para os teatros.