- Que tinha o conde? - perguntou Ângela.
- É cego, filha.
- Oh, coitado! E cura-se?
- Cura.
- Deus o permita. Vais operá-lo?
- Vem ele aqui operar-se.
- Às Boticas?
- A nossa casa.
- O conde vem para aqui!... Ai que casa esta!...
- Não te disse que ele é cego, menina?
- E que quarto lhe dás?
- O nosso.
- Então seja o meu - disse Joana.
- O nosso é melhor - tornou Francisco. - Cedes o teu quarto ao conde, Ângela?
- Pois sim, meu amor. Ele que homem é?
- Tem setenta anos.
- Tão velhinho! E vais operá-lo?
- Vou.
- De onde é ele?
- Veio de Ponte do Lima.
- De Ponte do Lima? De que família?
- Dos Noronhas Barbosas.
- Então é meu parente.
- É; é muito teu parente; é teu pai.
- Meu pai?!... Estás brincando, Francisco?
- O cego conde de Gondar que vem para tua casa é teu pai, Ângela: é o general Simão de Noronha.
- E ele sabe?... - exclamou Ângela, ofegante. - ele sabe...
- Para onde vem? Não nem quero que saiba depois que estiver cá. Desde que ele entrar, tu perdes o teu nome, e chamas-te?... como hás de chamar-te? Maria. Se sentires expansões de filha, hás de reprimi-las. pede-to o teu plebeu, o filho do sacristão honradíssimo que amou seus filhos com ternura, e se apartou deles prometendo-lhes vigiá-los do céu. O conde de Gondar aqui dentro é um doente que se trata. De comum entre nós há apenas operado e operador. Tu és a esposa de um, e a filha repulsa e abandonada do outro. Que te diz o coração, Ângela?
- Que ele é meu pai... e mais desgraçado que eu...
- Pois compadece-te, ama-o, mas não me impeças o restituir-lhe a vista. Quando ele te vir, há de ser tarde; mas podes vê-lo e falar-lhe contanto que imediatamente à operação, e mudados os apósitos, ele te não veja.
- Mas, logo que me veja, é provável que me reconheça.