- Tire isso p’ra lá! - refusou Fialho, sacudindo a cabeça, e fechando os olhos, talvez, à tentação. E resmoneou, entre trágico e cômico:
- Se fosse veneno, metia-o no corpo...
- Não seja asno! - acudiu com hombridade Joaquim António Bernardo - Pois você ainda está nessa!... Matar-se por causa de mulheres! Está a ler o nosso homem! - ajuntou o marido da maiata, gargalhando com aplauso dos circunstantes, que bascolejavam o vinho e o riso entre as mandíbulas. - Engula esse nó que tem nas goelas, e beba, amigo Fialho! Mulheres!... Com que então você, com amigos e fortuna, era capaz de tomar veneno p’rá mor duma desaustinada de mulher que se portou mal! Ela que se mate, se quiser; e você viva regaladamente com cento e noventa contos que tem. Faça de conta que ela morreu, e trate de arranjar outra...
- Ou duas, que é melhor - emendou Atanásio.
- Ou três, que é mais peitoral - ampliou Pantaleão, pondo a mão suavemente nos gorgomilos por onde ia passando um damasco.
O dono da casa, invejoso do espírito dos seus amigos, acrescentou:
- Quatro, quatro, para não ser pernão... O dado é sete fêmeas para cada macho.
- Macho será você! - replicou Atanásio com a boca a disbordar de marmelada.
Eis aqui o caixilho lutuoso em que enquadrava a agonia de Hermenegildo. Por pouco não descambava em orgia o tribunal de homens congregados para julgar a desonra de Ângela e salvar a dignidade do marido. Falavam todos a um tempo, alvitrando planos tendentes a evitar que a esposa infiel tivesse parte nos haveres do brasileiro. Para poder entrar nesta seção importante com energia, Fialho sopeteou duas bolachas americanas num cálix do de 1805, e pôs a mão instintivamente no bucho aquecido, e capaz de competir em calor com o coração vizinho. Os amigos, fazendo-o beber segundo cálix, aplaudiam o seu triunfo, e juravam que, ao terceiro, a honra do seu amigo ficaria lavada como as goelas.