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- Sabias?! Quem to disse?
- Foi ele.
- Foi ele mesmo?! O tal Francisco?
- Sim, minha senhora.
- Então tu falavas-lhe?
- Não, minha senhora... Escrevia-me ele.
- E contou-te de quem era filho!... É extraordinária a sinceridade!... E para que fim te contava ele essas coisas que deviam fazer-te cair na razão da tua indigna escolha?
- Contava-me estas coisas para que ninguém mas contasse antes dele.
- Então o rapazola tinha orgulho em ser filho do sacristão?... Bem sei... são as ideias que cá trouxe a liberdade... Deus perdoe a teu pai, que também ajudou a fazer gente os netos dos carpinteiros e dos cozinheiros dos iates... Oxalá que ele não pague... Vamos ao caso... E tu, apesar do Francisco da Joana te dizer quem era, não mudaste de ideia?
- Não minha senhora...
- Continuavas a querer-lhe...
- Sim, minha tia.
- E com que fim? Querias casar com ele?
- Se me deixassem, casaria.
- Ora não sejas infame! - bradou a tia, cerrando os punhos, e resfolegando tão irada que o tabaco lhe espirrava em granizo das ventas arquejantes - não sejas infame, Ângela! - repetiu ela, resistindo ao flato que já lhe emperrava a língua. - Não és minha sobrinha, não és filha de Simão de Noronha... De Maria d'Antas creio eu bem que sejas filha...
A última espécie do insulto foi vociferada com rancoroso sarcasmo: Ângela não o percebeu.
- Com que então, se te deixassem, casarias com o cunhado do Zé tendeiro!... - repetiu a velha acentuando com crispações de riso aspérrimo aquele Zé, elidindo a primeira silaba para engrandecer a ignomínia do nome.
Ângela ouvia em silencio e lagrimosa as invectivas da velha, cortadas de frouxos nervoso. De súbito, D. Beatriz, circunvagando pelo sobrado o olho direito armado da luneta, exclamou:
- Que é da carta que eu tinha aqui? Que é da carta?
- Aqui está - disse mansamente Ângela, apresentando-lha.