- Escreve num grande livro em branco uma coisa chamada SONHOS - respondeu Joana.
A fidalga pediu, rogou e suplicou à costureira que lhos deixasse ver.
Joana hesitou muitos dias em denunciar a sua curiosidade a Francisco; todavia, importunada por Ângela, referiu ao irmão a sua imprudência.
Fraqueza congenial do homem! Teve o rapaz uns assomos de júbilo com os rogos de Ângela! Releu os seus SONHOS, deu o manuscrito à irmã, e disse-lhe:
- Pede-lhe que rasgue esses papéis depois de os ler.
Ângela pairava em regiões sobpostas à do seu espiritual adorador. Adivinhou mais do que percebeu. Decorou até o que não entendia.
Vem de molde o encher-se um vácuo importante desta história. A educação literária da filha de D. Maria d’Antas era igual à do capelão que lha transmitira. Escrevia com a ortografia do padre, quase nunca racional. Lia os livros de sua tia, que se prezava de perceber a Recreação filosófica do padre Teodoro de Almeida, e relia todos os anos o Feliz independente do mesmo congregado, o Belizário de Marmontel, e outros livros, cujas passagens notáveis andavam de memória na família.
Que montava isto? O amor de Deus infundiu a máxima ciência nos apóstolos ignorantes. O amor do homem arroteia e enfrutece, a súbitas, o mais maninho entendimento de mulher. Fenômenos do amor. O divino, florejando e aromatizando mártires e santos, ala os amados à glória. O humano com seus relâmpagos que abrasam, e perfumes que embriagam e asfixiam, despenha-se nos recôncavos do inferno, que neste mundo se chama o desesperar.
Ângela sentiu destecer-se o escuro de sua ignorância ao compasso da leitura noturna que fazia dos SONHOS. Aquele livro não lhe ensinava história, nem gramática, nem geografia, e outras coisas que, não sabidas, constituem a ignorância humana.