E, como lhe eu ia contando, meu irmão é muito doente do fígado, e diz ele que não há de viver muito. Oxalá que se engane; mas a mim bacoreja-me que aquela moléstia de dentro não se cura. Se ele morrer, eu já sei que a mim me deixará alguma coisa para a minha decência; mas a riqueza quase toda vai para o Atanásio do Porto, que foi sócio dele, e são muito amigos. Ora diga-me vossemecê: Não era melhor que esta riqueza ficasse à Sr.ª D. Ângelazinha? Fazia-lhe mal ficar com este palácio, com esta quina, e com o dinheirão que o meu Hermenegildo tem nos bancos, que pelos modos me disse o tal Atanásio que era metade dum milhão! Metade dum milhão, ó Sr.ª Vitorina! Vossemecê já viu riqueza assim?
- Com efeito! - disse a interlocutora com sincero assombro. - Metade dum milhão! A fidalga, ainda que ficasse herdeira do pai, não tinha tanto, acho eu!
- Nem sombras disso! Meio milhão acho que neste mundo só o tem as pessoas reais. Quer vossemecê saber outra? Já desde que meu mano chegou, duas vezes os governos do Porto lhe escreveram para ele ser barão. Vossemecê bem sabe que barão é isto de ser grande e maioral do reino, e fica-se logo fidalgo. Pois saberá que o meu irmão não quis até agora, porque lhe pediam cinco contos pela fidalgaria, e ele ofereceu metade. Estamos a ver se se arranjará o negócio; mas, ponto é querer a fidalga que ele seja barão, que isso manda ele logo aos governos do Porto pagar os cinco contos. Conte-lhe vossemecê tudo isto lá como coisa sua. E olhe que, se o casamento se chega a fazer, vossemecê também há de apanhar uma boa pechincha. Eu cá de mm dou-lhe um cordão de vinte moedas, e meu irmão é capaz de lhe comprar uma casa p’rá sua velhice.
- Velha estou eu, Sr.ª Ritinha - atalhou Vitorina - e, se Deus quiser, hei de morrer na casa onde viver a minha ama.