Richard; ele imitava estes apreciadores de vinho que conservam muito tempo no paladar cada gole que sorvem, e olham com indignação para os grosseiros bebedores que despejam de um trago tão preciosa bebida.
– E é assim – reflectia ele, pousando o livro e saboreando a consideração que lera –; ou mais ou menos sucede o mesmo com toda a gente. Se fosse possível fazer correr o mundo tanto à vontade dos que dele murmuram constantemente que se lhes tirasse todo o pretexto de murmurar, causar-se-lhes-ia não pequena mortificação.
Estes pensamentos foram interrompidos por um criado, que entrou para anunciar:
– Mr. Morlays.
– Verbi gratia – disse para si Mr. Richard, depois de ter dado ordem de mandar entrar o anunciado.
Efectivamente o inglês, que chegava, era um destes pessimistas, para quem o universo inteiro se apresenta tingido das mais escuras cores; era uma vítima, ao mesmo tempo lastimável e insuportável, do mau humor, que o douto Feuchtersleben chama – prosa vulgar da vida, irmão do tédio e da preguiça e envenenador que lentamente traz consigo a morte.
Mr. Whitestone, homem laborioso e contente do mundo, estava em constante oposição ao seu compatriota e amigo, que era destes que têm feito adquirir aos nevoeiros de Londres a imerecida fama de fomentadores do spleen – fama contra a qual principiam, com muito critério, a protestar os homens pensadores, descobrindo antes na ociosidade, favorecida por as fabulosas riquezas de alguns lords, a causa daquele mal de suicidas.
O aspecto de Mr. Morlays denunciá-lo-ia à medicina antiga como uma vítima desse misterioso humor negro – que ela chamou atrabilis. Era a variedade do inglês, que pode denominar-se escura; e a escuridade, que lhe estava no rosto, projectava-se-lhe também nas disposições morais.