Uma Família Inglesa - Cap. 3: III - Na Águia de Ouro Pág. 26 / 432

Um jantar pode muito bem ser motivo de si mesmo: sendo possível dele dizer-se de alguma sorte, em linguagem filosófica, que tem em si a «razão suficiente da sua existência».

Na companhia encontraremos alguém já conhecido nosso.

E como, até agora, só tenho apresentado ao leitor três pessoas, não será prova de grande perspicácia, da sua parte, adivinhar qual dessas três será.

Efectivamente é Carlos Whitestone um dos convivas e não dos mais sisudos.

Ficava próximo da cabeceira da mesa. Carlos era quem mais vezes conseguira encaminhar a um fito único todas as atenções e modificar a assembleia a ponto de se lhe poder referir o conticuere omnes da Eneida; – verdade é que não tão completamente o fizera como o herói troiano, pois nem tinha destruição de Ílion a descrever, nem a paciência dos Tírios a escutá-lo.

Carlos Whitestone passava por estar muito em dia com os boatos cómicos e escandalosos, de que sempre e em toda a parte é tão sôfrego o paladar social.

Por isso o escutavam todos com prazer.

Sinto que não chegássemos a tempo de ouvir o princípio da narração, que ele levava em meio.

– O nosso homem – dizia Carlos, acendendo um charuto no de um jornalista, seu vizinho –, apesar do aviso que recebera, resolveu na melhor das boas-fés…

– Então é a boa-fé dos maridos – comentou a meia voz um padre que, atrasado nas operações gastronómicas, investia com denodo contra um timbale de pombos, ainda miraculosamente intacto, e acrescentou: – Não sei de outra que a exceda.

– Regula por essa a dos amantes ingénuos – acudiu Carlos ao comentário.

– Mas é de menos consequências – respondeu o outro.

– Silêncio, padre Manuel! – bradaram algumas vozes. – Vamos lá, Carlos; e depois?

– Depois – prosseguiu Carlos – enfeitou-se, perfumou-se, aparamentou-se, frisou-se…

– E tingiu-se; que não esqueça – acrescentou do fim da mesa uma voz.





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