Lá essa qualidade tem ele. Logo os primeiros versos:
Nel mezzo del cammin di nostra vita…
Acho porém dotes superiores em Boccacio. – Então que quer? É um espírito encarnado em corpo de menor vulto, mas… você já leu o Decameron? Deve ler. É um livro excepcional. Há nele alguma coisa que vai além do século em que foi escrito. E esse é o sinal supremo do génio. As imitações de La Fontaine são pálidas. Desengane-se. La Fontaine, afinal, era contemporâneo de Luís XIV. Naquela corte não podia existir a verdadeira inspiração. Abomino a literatura desse tempo. Detesto Luís XIV e o seu século. – Pausa. – Molière salva-se, mas porquê? Porque o género cómico tem uma índole especial. Não é a inspiração que o regula; é a análise, é a reflexão filosófica.
– Eu aposto – berrava um político – que, se os aliados se meterem a dar o assalto a Sebastopol, não fica um só vivo.
– Veremos – questionava outro. – Deixa Omer-Paxá ocupar a estrada de Sebastopol a Sinferopol e depois falaremos. Olha que ele desembarcou na Eupatória com 40 000 homens.
O jornalista continuou:
– Há um único homem que admiro, em qualidades cómicas, mais do que Molière: é Rabelais. Oh! o Rabelais é o meu livro! Há três livros que nunca tiro da minha banca de estudo, nem da minha mala de viagem.
– É a Bíblia, Os Lusíadas e o Paulo e Virgínia. Já sei. É o costume – disse enfim Carlos, levantando-se, já impaciente e procurando subtrair-se à torrente de perguntas, respostas, apreciações críticas, cotejos e citações que saíam, em tom categórico, da palavrosa boca do vizinho.
– Não há tal – respondeu este, porém, tomando-lhe o braço e levantando-se igualmente. – Esses são a fórmula dos três grandes sentimentos da alma – o da religião, da pátria e do amor; – bem o sei; mas, confesso-lhe, o que, por temperamento, mais me seduz é a pintura social e a análise das paixões, e só três homens as fizeram bem: Lesage, Richardson e Rabelais.