Richard. – Dick! pois assim queres matar-me? assim queres ver-me morrer? Não tens pena de mim? Dick! Fui eu quem te trouxe ao peito, eu… Olha que sou a pobre Kate Simpleton. Dick! Dick! Livra-me destes demónios, que me querem afogar. Que mal te faço eu para me deixares morrer? Larguem-me!
E por um esforço inesperado daqueles braços emaciados e fracos, soltou os punhos das mãos que os seguravam e, levando-os às faces, feria-se no rosto encarquilhado e contraído.
Nisto entrou Jenny no quarto.
A velha apoderara-se de uma faca, que por descuido lhe tinham deixado ao alcance da mão.
Jenny fez sinal às criadas para que se afastassem do leito e aproximou-se dele.
– Cuidado, miss Jenny! – disse a despenseira, gorda, ruiva e sardenta matrona inglesa, que suava ainda com o esforço que sustentara.
– Cautela, menina! – repetiu a outra criada, musculosa portuguesa dos arredores da Maia. – Olhe que ela é perigosa nestas ocasiões.
Jenny não as atendeu.
Chegou-se ao leito da velha demente e pousou-lhe nos pulsos as mãos, delicadas e débeis.
A velha estremeceu e fitou nela o olhar espantado e ameaçador.
– Bons dias, Kate – disse-lhe afavelmente Jenny, sem que no rosto, risonho e sereno, se desenhasse a menor sombra de receio.
Kate ficou a olhá-la por algum tempo daquela maneira.
– Então que ruindade é esta hoje, Kate? Nem me conheces?
A velha principiou a sossegar; conservava-se porém ainda muda, e não desviava de Jenny os olhos espantados.
– Não me conheces, ama? – continuou esta, em tom mais afectuoso. – Kate, então? Já nem queres conhecer a Jenny?
O rosto da octogenária iluminou-se com um sorriso estranho, selvagem quase; a cabeça principiou a agitar-se-lhe em movimento afirmativo, que, pouco a pouco, aumentou de velocidade, até à rapidez de certos desordenados gestos próprios daqueles estados de espírito; a mão soltou a faca que ainda segurava.