– Eu logo vi que me conhecias – dizia Jenny, afastando-lhe compassivamente os cabelos da fronte enrugada. – E hás-de estar quieta, não hás-de?
– Sim, sim – dizia a velha, a rir como criança, e lançava os braços em volta do colo de Jenny, aproximava-a do seio e beijava-a, murmurando com voz chorosa as mais ternas expressões de afecto da língua inglesa.
– Sim, sim, poor thing; sim – repetiu muitas vezes, cingindo-a a cada momento mais a si.
– Ai, miss Jenny, miss Jenny! – dizia a despenseira aterrada.
Jenny fez-lhe sinal com o dedo, a impor-lhe silêncio, ou a mandá-la sair.
A demente, tomando a cabeça de Jenny, principiou a balançar-se como a adormecer crianças, e cantava ao mesmo tempo uma melancólica toada, com a qual, havia cinquenta anos, adormecera já o pequeno Dick, actualmente Mr. Richard Whitestone.
Eis o sentido da canção que, em dialecto escocês, ela cantava:
Dorme, filho, que eu vigio,
E enquanto dormes, sorri;
Que a tua porção de lágrimas
Eu as chorarei por ti.
Jenny não lhe oferecia resistência. A velha chorava, cantando; a voz ia-se-lhe a enfraquecer gradualmente; por fim, tomou-a um daqueles profundos sonos, que parece, nesses estados, participarem já do carácter do sono final, que não vem longe.
Adormeceu entoando em voz já mal percebida:
A tua porção de lágrimas…
Eu as chorarei… por ti…
Jenny desprendeu-se-lhe então dos braços, conchegou-lhe a roupa, fechou a janela e, recomendando silêncio aos criados, desceu.
No fim dos degraus encontrou sentado o jardineiro da casa, com o rosto entre as mãos e soluçando.
– Que é isso, Manuel?
O velho ergueu-se com sobressalto.
– Ai, menina Jenny, é que… veja.
E apontou para o degrau da porta do jardim onde jazia partido um vaso de porcelana com uma preciosa begónia.