Uma Família Inglesa - Cap. 6: VI - Ao despertar de Carlos Pág. 65 / 432

Apesar de pronunciada em tom baixo e quase a medo, bastou esta palavra para o despertar.

Abriu imediatamente os olhos, fitou-os no criado e, estendendo os braços naquele quase involuntário movimento com que todas as manhãs despedaçamos as últimas cadeias com que nos algema o sono, deixou-lhos cair em volta do pescoço, como para apoiar-se, dizendo ainda com voz mal distinta:

– Bons dias, André. Que horas são?

– Meio-dia.

Foi a resposta que obteve, acompanhada de significativo sorriso.

– Save us! – exclamou Carlos, imitando a despenseira inglesa, de quem era esta a frase habitual, e ao mesmo tempo voltou os olhos para o relógio fronteiro, o qual, como em resposta a esta mímica interrogatória, bateu doze lentas e sonoras pancadas.

– Pois não me parecia – continuou Carlos, ao acabar de contá-las. – Ia até estranhar-te a madrugada, sabes tu? E… e… o pai?

– Saiu já.

– E… e que disse?

André encolheu os ombros, respondendo:

– Nada.

Era a maneira de exprimir que alguma coisa dissera.

Carlos compreendeu isto mesmo, mas não perguntou mais nada.

– Toca a pôr a pé, que são horas! – dizia André, ocupando-se a levantar alguns objectos que via pelo chão.

– Desumano, cruel, que me recordas? – respondeu-lhe Carlos em tom de recitação trágica.

– Vamos, vamos, preguiçoso.

Carlos abriu ainda outra vez a boca, em gesto quase sentimental de despedida ao sono que se afastava; afagou com a mão o colossal terra-nova, que veio pousar-lhe a cabeça nos joelhos, e abriu ao acaso o livro que encontrou à mão, um romance de Dickens, do qual leu algumas linhas distraído.

– Então? – insistiu André, vendo-o pouco disposto a levantar-se. – Fica aí?

– Vai-me buscar o almoço, homem. Traz-me só café. Parece-me que ainda agora terminei aquele turbulento jantar de ontem.





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