Imagine-se o resto.
André, o metódico André, sorria e abanava a cabeça no meio de tanta desordem. Demorou-se alguns instantes a examinar todo aquele desarranjo, que bem simulava os vestígios da recente luta; depois, caminhou para o leito, afastou vagarosamente, de má vontade ainda, as cortinas brancas que o resguardavam e, curvando a cabeça, fitou os olhos na fronte espaçosa e lisa de Carlos, sem que se resolvesse a acordá-lo de dormir tão tranquilo.
Carlos tinha a fisionomia simpática e expressiva. O melhor tipo saxónico encontrava-se ali. Os cabelos louros, curtos e naturalmente anelados, deixavam-lhe livre a fronte ampla, de bossas proeminentes, e cujos ângulos se prolongavam por sobre as têmporas; as cores eram do alvo delicado, próprio dos tipos setentrionais; o nariz de perfil, em que não entrava o elemento da mais desvanecida curva; os lábios, algum tanto grossos e levemente encrespados num sorriso, entre irónico e afectuoso, pronto a caracterizar-se com facilidade igual num e noutro destes sentidos; as pálpebras longas, salientes, e nas quais, em curvas azuladas, transparecia uma rede de pequenas veias, e em torno às órbitas o círculo de cor desmaiadamente roxa, vestígio de longas noites de agitadas vigílias; tais eram os traços principais daquela fisionomia aberta e atraente que, em alguns deles, oferecia o que quer que era de Byron. Os olhos, naquele momento velados, possuíam fogo correspondente à vivacidade do espírito que os animava; as feições, paralisadas agora pelo sono, gozavam em vigília de mobilidade extrema e eloquente, outro ponto de analogia com as do poeta inglês, segundo a crença dos seus biógrafos.
André acabou enfim por o chamar, mas com voz que parecia de quem desejava não ser escutado.
– Sr. Carlos – disse ele.