Uma Família Inglesa - Cap. 13: XIII - Vida portuense Pág. 141 / 432

Por irresistível impulso aproximava dos lábios aquelas palavras e beijava-as com fervor.

Quando, no meio do trabalho quotidiano, que ele, como vimos, executava com uma fleuma e regularidade que deviam fazer supô-lo homem pouco sujeito a expansões, a ideia de Cecília lhe passava pelo espírito, tinha movimentos de criança.

Pousava a pena, interrompia a conta, correspondência, ou o que quer que fosse em que estivesse ocupado, para esfregar as mãos de contente, como o rapaz de escola ao acudir-lhe de súbito a lembrança de um feriado próximo.

Às vezes não resistia a dar dois passeios no escritório, trauteando, e a vir à janela, com a pena na orelha, a espreitar, por entre os vidros, a altura do Sol.

Ao voltar a casa, Manuel Quintino não se distraía pelas ruas; procurava as travessas e atalhos mais solitários, para evitar importunos; tardava-lhe a conversa da filha.

Quando na presença dele se falava em alguma epidemia que principiasse a ameaçar a cidade, já o bom homem não podia dominar um terror intenso; revelava-se-lhe no semblante em caracteres bem evidentes e havia-lhe conquistado a reputação de pusilânime, entre os seus colegas mais novos; já até se divertiam, mal suspeitavam com que crueldade, a despertar frequentes vezes estes receios pânicos.

A ideia do risco pessoal não era porém a que o fazia empalidecer; um só receio, uma só lembrança o torturava então, era a do perigo que podia correr a vida de Cecília.

Não se concebe em que espécie de loucura o lançou uma doença da filha. O serviço do escritório foi pela primeira vez perturbado na sua marcha regular, e a correspondência, em cuja nitidez caprichava Manuel Quintino, não raro lhe saía das mãos toda manchada de lágrimas. No dia em que o médico lhe deu, sorrindo, a certeza de que Cecília estava salva, Manuel Quintino não teve mão em si, que se não atirasse, a rir e a chorar, aos braços dele, chamando-lhe seu benfeitor e beijando-o com paixão.





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